Quem é o responsável pela crise no transporte público em São Paulo?

A recente greve de cobradores e motoristas na capital paulista foi suspensa para abrir negociações com a prefeitura. No primeiro dia de greve o prefeito se negou a receber esses trabalhadores e iniciou uma ofensiva que abarcou desde o pedido de abertura de inquérito no Ministério Público até cobranças públicas de uma suposta inação da Polícia Militar. O atual presidente do Sindimotoristas, Valdevan Noventa, também foi escalado para desmobilizar a greve que, mesmo com suas “manobras”, foi deflagrada. As ameaças de demissão, a desmoralização imposta por “blogueiros progressistas” e até arquitetos alinhados ao PT, além da judicialização da questão impuseram uma trégua.

O fato escancara a crise por que passa o sistema de transportes da capital, em que o prefeito Fernando Haddad optou por não realizar as reformas necessárias. Ao contrário, executou políticas que penalizaram os passageiros, retirou direitos trabalhistas e só fez aumentar a indignação da população. Resumirei tais políticas a seguir.

Faixas exclusivas como panacéia

De fato o prefeito priorizou a circulação de ônibus no espaço viário da cidade. Sua medida foi absolutamente simples: pintar uma faixa no asfalto seguida da inscrição “só ônibus”. No entanto, um sistema tronco-alimentado (como o objetivado pelo prefeito) necessita de infraestrutura mais eficaz, como novos corredores e terminais. A não execução de tais obras resultou em uma sobrecarga nos terminais existentes, incapazes de atender a demanda de ônibus articulados (problema este já admitido pela área técnica da SPTrans). A ausência de novos corredores também vem impedindo a rápida saída dos terminais e ocasionando um congestionamento, como o que verificamos no terminal Jardim Ângela.

No terminal Jardim Ângela, passageiros formam até seis filas para poder embarcar. À direita da imagem vemos ônibus parados aguardando a saída dos veículos que estão na plataforma.

O prefeito se limitou a cortar as linhas de ônibus que ligavam as periferias ao centro e muitos paulistanos se depararam, então, com terminais ainda mais cheios, imensas filas para embarque (de até 40 minutos) e um alto congestionamento nos corredores. Alegadamente a medida visa “racionalizar o sistema” (um eufemismo para “reduzir custos”), pois acaba com a sobreposição de linhas. No entanto, esta política ampliou a segregação socioespacial na cidade, uma vez que melhorou a infraestrutura dos centros (por concentrar ali os investimentos em faixas exclusivas) e prejudicou a qualidade do transporte nas periferias, pois a baldeação forçada aumentou a distância dos trajetos e o tempo de espera nos terminais.

Mais dinheiro para os empresários

A implantação do bilhete único mensal significou maiores repasses de dinheiro público para os empresários, ainda que seus custos não tenham aumentado. Isso porque o prefeito manteve a forma de remuneração ao empresário “por passageiro transportado” e não “por custo”, como defende o engenheiro e ex-secretário de transportes Lúcio Gregori. Que esta forma de remuneração só faz engordar os cofres das empresas, o Movimento Passe Livre já denunciou em nota pública. Além disso, com o corte de linhas, as viagens ficaram mais curtas e mais rápidas, permitindo que a catraca gire mais vezes e o empresário lucre mais “por passageiro transportado”. A prefeitura tentou incluir um aditivo que reduzisse os valores repassados às empresas, devido às viagens mais curtas, mas ele foi recusado pelos empresários e a prefeitura obedeceu à autoridade dos empresários ampliando os repasses. As cooperativas foram forçadas a receber menos repasses, pois possuem um regime contratual menos estável (de “permissionário”) e as suas diretorias são fortemente influenciadas pelo Secretário de Transportes Jilmar Tatto. Vale ler artigo do professor Daniel Hirata e recentes matérias divulgadas pela imprensa sobre as relações entre as cooperativas de perueiros, o PCC e a chamada Tattolândia.

Demissão em massa dos cobradores

As massivas demissões de cobradores nas cooperativas de transporte da capital é um tema que foi ignorado pela grande mídia. Nos atuais planos de Fernando Haddad não está em pauta a valorização dos trabalhadores do sistema. Jilmar Tatto, quando secretário de transportes de Marta Suplicy, foi o responsável pela implantação do sistema de cooperativas, que atenderia aos bairros, e autorizou a contratação de motoristas e cobradores como se fossem cooperados. Este recurso — ilegal —  foi utilizado para reduzir o salário pago aos trabalhadores (e consequentemente os valores repassados pela prefeitura), pois eles não teriam direito a 13º salário ou participação nos lucros. No ano passado a Justiça julgou a questão e determinou que a contratação fosse via carteira assinada. As direções das cooperativas e a prefeitura acertaram uma saída negociada para o impasse: demitir os cobradores. Foi autorizada então a dupla função no sistema de vans e agora muitos motoristas dirigem, cobram a passagem e orientam os passageiros. Os prejuízos para a saúde do motorista, com problemas relacionados ao estresse, e para a segurança da viagem ainda não foram mensurados.


É lamentável que tenha cabido a uma administração do Partido dos Trabalhadores executar tais medidas, que retiraram direitos trabalhistas (como o 13º salário ou o direito à greve), aumentaram o tempo de viagem para os moradores das periferias e só fizeram engordar o lucro dos empresários. O sinal amarelo já foi acesso. Os reiterados protestos na área de transporte público e as pesquisas que revelaram uma enorme rejeição ao prefeito podem significar que o histórico apoio ao PT nas periferias venha minguando… Deixe estar.