Anotações da audiência pública sobre direito de manifestação (18/11, no Ministério Público Federal — SP)

Compreendemos nestas notas duas importantes falas da audiência pública que procurou debater o direito de manifestação. A fala de Dias, da Secretaria de Segurança, é de suma importância para compreendermos a linha da polícia e do governo estadual, que busca regular (leia-se impedir) o direito de manifestação. Seguimos com as contraposições de um jurista que defende o direito de manifestação pleno, sem regulação específica.

Eduardo Dias,

da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, compareceu no lugar do secretário Fernando Grella e justificou a ausência do superior da seguinte maneira: “ele não veio porque está vendo a transição de cargos para o próximo governo, esse é um momento complicado”. Iniciou sua fala apresentando alguns dados, talvez para sinalizar uma dificuldade no exercício da tarefa de policiamento no ano de 2013:

Citou o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) como exemplo de diálogo, com “saída sempre negociada”. Exaltado, afirmou que “precisa combinar antes. Também não dá pra combinar e mudar no meio”. Defendeu a regulamentação de uma lei do direito de manifestação de 1950 (sendo, portanto, anterior à Constituição Federal de 1988). Segundo ele, essa lei foi criada para viabilizar a realização da Copa de 1950 no Brasil, pois Carlos Lacerda teria afirmado que “se não tiver educação, não vai ter Copa”. A nova regulamentação dessa lei, segundo Dias, seria necessária devido ao fato de que ela dataria de um período pouco democrático. Criticou a postura da Defensoria Pública do Estado e disse que ela deveria ajudar a polícia nos esforços de aperfeiçoar essa lei. Para isolar Alckmin das acusações de “uso excessivo da força” nos protestos de junho de 2013, afirmou que o governador em exercício era Afif Domingues, uma vez que Alckmin estava na França defendendo a escolha de São Paulo para sediar a Expo 2020. Relembrou uma “teoria de conspiração” (o termo é dele) para a motivação dos protestos de junho: barrar a escolha de São Paulo como sede da Expo 2020. Buscando caracterizar as “jornadas de junho”, foi sucinto: “chega ao Brasil uma nova forma de protestos: pelas redes, sem representantes.” Ademais, afirmou que após uma reunião entre Movimento Passe Livre e Secretaria de Segurança Pública se firmou “um novo pacto” e “aí foi tranquilo”. Reclamou que muitas empresas não entram com ação judicial contra os danos às suas propriedades (o chamado vandalismo). Como elas não fazem isso, a polícia fica sem armas para enfrentar esse “crime”, o que faz a sociedade ter uma sensação de impunidade. Ainda procurando justificar a atuação da polícia, afirmou que o POP (Procedimento Operacional Padrão) de atuação em protestos é sempre modificado, sendo feito por tentativa e erro. Encerrou sua fala apresentando o entendimento da polícia sobre as queimas de ônibus que ocorrem nas periferias. Não foi dito o ano da rigorosa medição.

Oscar Vilhena Vieira,

jurista convidado, relembrou um acórdão do Supremo Tribunal Federal que, por unanimidade, entendeu que o direito de se manifestar pressupõe um incômodo. “É para atrapalhar”. Se atrapalhar demais, a sociedade é que rejeitará, disse. Ainda segundo Vieira, a interpretação da suprema corte vê como legítimas as ações que visam, inclusive, impedir que órgãos do estado realizem suas tarefas. O Supremo seguiu na mesma linha de interpretação, que defende o amplo direito de manifestação, quando julgou a legalidade da Marcha da Maconha, pois discursivamente pode-se defender algo ilegal. “E neonazistas, pode? O Supremo ainda não definiu.” Citou os entendimentos da suprema corte dos EUA, que autoriza manifestações racistas, e da Alemanha, que os restringe. Vieira ainda afirmou que as manifestações normalmente são pacíficas (“não é difícil verificar que as pessoas estão desarmadas”, como preconiza a Constituição), mas que “grupos violentos” atuariam dentro delas. A função da polícia é separar essas pessoas e ela tem sistematicamente sido incapaz de realizar isso. Para Vieira, o número de 11300 pessoas assassinadas pela polícia nos últimos cinco anos é inaceitável, representando “uma arbitrariedade”. “Ela precisa se comportar”. Para ele, o artigo da Constituição que autoriza a realização de manifestação não possui um artifício “maroto” que estabeleceria sua regulamentação em lei específica. Ela autoriza os protestos e ponto final. Precisamos, outrossim, de uma legislação clara sobre o uso da força da polícia, com:

  • restrição do uso de força letal;
  • uso de forma mínima, exclusivamente para quem cometa crimes (“se alguém quebra uma vidraça, evidentemente que um tiro não é proporcional”);
  • estabelecimento de um negociador claro;
  • a não-restrição do trabalho da imprensa;
  • indenização das vítimas.