A licitação de ônibus é uma luta política


 

 

Os paulistanos tiveram até o dia cinco de março para sugerir alterações no edital da licitação de ônibus da cidade de São Paulo. Essa consulta pública ocorreu ao mesmo tempo em que moradores dos bairros de Jabaquara, Jardim Helena e Butantã, e também estudantes da USP, mobilizam-se contra os cortes de linhas anunciados nesta licitação. Por meio de abaixo-assinados e de representações no Ministério Público, exigiram que suas opiniões fossem ouvidas. Três organizações da sociedade civil solicitaram que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) investigue a licitação, pois ela teria inúmeros mecanismos que favorecem a concentração econômica. Também neste começo de ano, o Movimento Passe Livre (MPL) organizou protestos contra um aumento de R$ 0,20 nas tarifas do transporte coletivo — valor idêntico, aliás, ao reajuste de 2013, que desencadeou as “Jornadas de Junho”.

Tudo indica que as barricadas de junho permanecem como um fantasma no imaginário da classe política. João Doria, na licitação proposta, alterou a fórmula de remuneração aos empresários de ônibus, que deixou de ser por passageiro rodado e passou a ser por custo da viagem, atendendo a uma histórica reivindicação do MPL. A nova fórmula tende a reduzir os valores pagos aos empresários. A licitação garante, ainda, outras conquistas dos movimentos populares, como por exemplo: o subsistema de linhas rurais (que opera sem a cobrança de tarifas) será mantido; a frota será renovada com ônibus menos poluentes e haverá maior oferta de lugares em toda a cidade. Essas vitórias são a prova de que se mobilizar, de fato, vale a pena.

Mas ainda falta muito. Os ônibus continuarão lotados devido à paralisação das obras de corredores e terminais. Em seu Plano de Metas, João Doria comprometeu-se a entregar 72 km de novos corredores. Contrariando sua própria palavra, no último dia 23, retirou R$ 192 milhões da construção de corredores e repassou-os para o asfaltamento de ruas. A construção de terminais também está paralisada. A prefeitura está erguendo um único terminal e, até 2020, pretende construir somente mais um. Para as necessidades do município de São Paulo, é muito pouco. Sem essas obras, os moradores das periferias continuarão sofrendo com longas filas para o embarque, pois os atuais terminais e corredores não comportam a frota de ônibus existente. O anunciado corte de diversas linhas agravará ainda mais essa situação, pois obrigará os usuários a fazerem mais baldeações nos terminais.

Além disso, esses cortes não têm sido debatidos junto à sociedade. Não era para ser assim. Uma gestão que se diz democrática deveria primar pelo diálogo com a população, afinal, é ela quem toma ônibus todos os dias. Por isso, na Câmara de Vereadores, propusemos um substitutivo ao Projeto de Lei nº 853/2017, para obrigar que, antes de qualquer corte de linha ou aumento tarifário, sejam realizadas audiências públicas nas Prefeituras Regionais.

Há espaço para pressão. A nova licitação de ônibus possui avanços que são legítimas conquistas da sociedade, mas tem vícios que precisam urgentemente ser combatidos. Convidamos toda a população a debater o futuro de nosso transporte e, assim, construir o modelo de cidade que desejamos.

 


Toninho Vespoli é vereador pelo PSOL na cidade de São Paulo.

Oliver Cauã Cauê França Scarcelli é geógrafo (UNESP) e mestrando em Planejamento e Gestão do Território (UFABC) | oliver@cryptolab.net.

Rafael Drummond é jornalista (UNESP) e especialista em Planejamento Urbano (Universidad de Buenos Aires) | rafael.dmdf@gmail.com.