Por trás do incêndio da Luz, paralisia e superlotação

Marcos Kiyoto é arquiteto urbanista pela USP e pesquisa transportes urbanos | marcos.kiyoto@usp.br

Oliver Cauã Cauê é estudante de geografia da UNESP e pesquisa o Metrô de São Paulo | oliver@cryptolab.net

Na tarde do dia 21 de dezembro de 2015, os usuários de metrôs e trens da região metropolitana de São Paulo viram-se impossibilitados de utilizar uma estação-chave, a Luz, graças a um incêndio de grandes proporções. A estação da Luz é responsável pelo embarque e desembarque de 300 mil passageiros por dia e faz a integração de três linhas da CPTM, uma linha do Metrô e uma linha privada (Via Quatro). Imediatamente, a CPTM decidiu fechar a estação e, assim, os trens vindos de Francisco Morato paravam na Barra Funda e os trens vindos de Leste e Noroeste encerravam sua viagem na estação Brás. Foi deste modo que a Linha 3-Vermelha do Metrô passou a ser o único ramal de transporte desses usuários para o restante da cidade. A Linha 3-Vermelha é a mais sobrecarregada da rede, representando, sozinha, 40% do número total de passageiros transportados pelo Metrô. Em dias úteis, circulam por ela 1,2 milhão de passageiros.

Solicitamos a órgãos do Governo do Estado o acesso a dados sobre o volume de passageiros transportados em dias convencionais e nos dias seguintes ao incêndio. Na comparação com um dia convencional do mesmo ano, pudemos verificar que a estação Brás teve um aumento excepcional na circulação, já que 50% a mais de pessoas ingressaram no Metrô e 79% a mais na CPTM. Na Barra Funda não foi diferente: foi registrado um afluxo de 30% no Metrô. Se, em dias comuns, já se percebe claramente a superlotação desses modais, ressaltada desde as filas para a recarga de bilhetes até as aglomerações para o embarque de passageiros, é preocupante constatar que essa situação está sujeita a piorar em decorrência de imprevistos com os quais não há preparo para lidar. A lotação por metro quadrado, em média de 5,75 passageiros/m², nos horários de pico, torna-se desumana em tal contexto. Isso é sentido especialmente pelas mulheres, pois os vagões cheios facilitam a ação de assediadores. Estamos diante de um fato grave. Os dados revelam que a rede funciona além de sua capacidade e que não tem margem para manobras operacionais.

 

 

É importante lembrar que as coisas não precisam ser assim. A seguir, enumeramos planos já elaborados, porém nunca executados pela CPTM nem pelo metrô de São Paulo, que ajudariam a amenizar os danos num acidente dessas proporções.

A Nova Estação Central Metropolitana, que assumiria as funções da Luz

A privatização de toda a CPTM sempre esteve em pauta pelos governos do PSDB e, por isso, eles sabem que o “gargalo” da estação da Luz precisa ser resolvido. A estação não foi projetada para ser ponto final de tantas linhas. Em 2009, a CPTM contratou um projeto funcional para a construção da Nova Estação Central Metropolitana de São Paulo, que seria instalada ao lado das estações Luz e Júlio Prestes. Essa nova estação comportaria mais trilhos, garantindo, inclusive, espaço para uma nova linha da CPTM, a ser construída. Seria moderna, mais confortável e totalmente subterrânea. A despeito dessas qualidades, ela nunca saiu do papel.

O anel metroviário da metrópole

Em 2006 foi publicado pelo Governo do Estado o “Plano Integrado de Transportes Urbanos”, que estabelece as obras que deveriam estar prontas em 2025. Estão previstas diversas novas conexões entre as linhas do Metrô e da CPTM, das quais vamos destacar duas. A primeira é a extensão da Linha 2-Verde até as linhas 3-Vermelha, 11-Coral e 12-Safira. A segunda conexão ligaria a futura Linha 6-Laranja às linhas 7-Rubi e 8-Diamante. Ambas são citadas pelo Metrô como etapas prioritárias da expansão da rede.

 
Mapa da rede de transportes proposta pelo Plano Integrado dos Transportes Urbanos

Os contratos de construção destes trechos foram assinados em 2013 (Linha 6) e 2014 (Linha 2), mas o segundo foi suspenso pelo Governo do Estado em dezembro do ano passado. Estas duas conexões criariam novas alternativas de integração entre a rede da CPTM e a do Metrô, reduzindo a concentração na estação da Luz. Representaria também um bem-vindo alívio para a Linha 3-Vermelha. Tais obras seriam o pontapé inicial de um anel metroviário que, se estivesse em operação, ofereceria uma diversidade de conexões, tornando a rede mais capaz de lidar com falhas.

Como visto, é urgente a necessidade de colocar em execução medidas que contribuam de maneira decisiva para a melhoria da mobilidade, o que envolve não apenas o aumento do conforto e da segurança dos usuários do sistema de transporte, mas também a ampliação das possibilidades de conexão entre diferentes pontos da metrópole. Se tivéssemos uma rede mais abrangente de linhas de metrô (construídas rapidamente, para reduzir a especulação com as terras), nos aproximaríamos de uma realidade presente em muitos países da Europa. O sociólogo Alain Cottereau observa pontos interessantes do metrô parisiense: “com a construção de um metrô local, procurava-se unir melhor os diversos bairros da cidade, reduzir os aluguéis, facilitar a construção na periferia (…)”. É sabido que, no capitalismo, a distribuição desigual da renda determina o acesso à cidade, já que a produção de moradias é feita pelo mercado — e aos pobres são relegadas as terras mais distantes. Nesse sentido, salientamos que o sistema de transportes pode ser, portanto, um importante meio de redistribuir renda, uma vez que permitiria coletivizar o acesso a todas as partes da cidade, reduzindo as desigualdades produzidas pelo mercado. Mas, para que isso ocorra por aqui, os movimentos sociais devem iniciar uma intensa mobilização em defesa da construção de mais metrô.