Como o Governo do Estado, os bancos e as empreiteiras cortaram estações da Linha 4 – Amarela do metrô de São Paulo

SCARCELLI, Oliver Cauã Cauê França

Doutorando em Geografia (Unesp de Rio Claro)

oliver@cryptolab.net

NOVASKI, Mariana Araújo de Matos

Mestra em Arquitetura e Urbanismo (Universidade de São Paulo)

mariana.novaski@gmail.com

Resumo expandido publicado nos anais do IV Congresso Brasileiro de Organização do Espaço

Resumo: O Metrô de São Paulo possui cem quilômetros de extensão, distribuídos em cinco linhas. A Linha 4 – Amarela, uma das mais recentes, foi a primeira parceria público-privada do Brasil. Através da leitura de jornais, revistas especializadas, atas e relatórios técnicos e de entrevistas com dirigentes do Metrô e de outros órgãos envolvidos, identificamos a influência dos agentes públicos, privados e da sociedade civil no processo de definição do traçado da Linha 4 – Amarela. Concluímos que a Linha não visou atender a interesses urbanos e de mobilidade urbana, mas criar um negócio viável e atrativo ao concessionário privado.

Palavras-chave: planejamento urbano; parceria público-privada; mobilidade urbana; transporte público coletivo; São Paulo.

1. INTRODUÇÃO

O primeiro traçado da Linha 4 – Amarela foi elaborado em 1968, a pedido da Prefeitura de São Paulo (conforme Figura 1). Essa Linha seria construída com quarenta anos de atraso e, apesar do enorme crescimento da mancha urbana, seu traçado corresponde a 42% do original. Como explicar tal redução? Para isso, precisaremos tratar de algumas transformações que ocorreram no Metrô.

Figura 1: Rede Básica de 1968


Fonte: HMD, 1968, v. 2, p. 116.

A Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô é a estatal responsável pelo planejamento, construção e operação da maior parte das linhas metroviárias paulistas. De origem desenvolvimentista, voltada para a industrialização nacional (SCARCELLI, 2020, p. 54), gradualmente foi se neoliberalizando (CONSTANZO, 2018; NOVASKI, 2020). Diversos autores já demonstraram como as recentes “parcerias” introduziram um novo objetivo ao Metrô: garantir a remuneração lucrativa dos novos concessionários de linhas. Queremos lançar luz, entretanto, a outro aspecto: os traçados foram manipulados com vistas a aumentar a lucratividade e reduzir o valor dos investimentos. Para tanto, analisamos jornais, revistas especializadas, atas e relatórios técnicos e entrevistamos dirigentes do Metrô e de outros órgãos (empreiteiras, escritórios de arquitetura, Ministério da Fazenda etc.).

2. PROBLEMÁTICA E RESULTADOS

Entre os anos 1980 e princípios dos anos 1990, o traçado da Linha 4 variou um pouco. Ele começava na margem oeste do Rio Pinheiros, seguia pelos Jardins e alcançava o Centro. Dali, iria até o Tatuapé. A Linha atenderia diretamente as regiões Centro, Sudoeste, Norte e Leste (conforme Figura 2). O tramo para Sudeste, que atenderia ao Ipiranga e ao Sacomã, havia sido cortado.

Figura 2: Rede Básica de 1994

Fonte: METRÔ, 1994, p. 1

Nos anos 1990, o Metrô estava endividado e não conseguia obter empréstimos, para expandir a rede (NOVASKI, 2020). Houve, então, mais um corte: o Metrô reduziu o traçado da Linha a meros quatro quilômetros (indo da Avenida Paulista até Pinheiros). No final dessa década, empreiteiras fizeram lobby junto ao governador Mário Covas, para construir e operar a Linha. Elas assumiriam parte dos custos de implantação e, em contrapartida, explorariam as receitas geradas com a operação do serviço, por um determinado período de tempo. Foi, então, que o traçado da Linha 4 cresceu. Um pouco.

A partir desse momento, as decisões sobre o traçado foram transferidas para um consórcio formado por “fornecedores de sistemas informacionais, fabricantes de trens, bancos e empreiteiras” (SCARCELLI, 2017), capitaneados pelo Unibanco e pelo Banco Mundial. Esses agentes fizeram novos estudos de viabilidade, que transformaram a Linha profundamente. Foram retiradas estações, além de aparelhos de mudança de vias e saídas de emergência. A ideia era garantir um nível de retorno adequado ao futuro concessionário (PARSONS BRINCKERHOFF, 1997). A Linha iria da Vila Sônia até a Luz, passando a integrar sete linhas metroferroviárias (conforme Figura 3). Tal desenho, contudo, corresponde a 42% do traçado original de 1969.

Figura 3: A atual Linha 4 – Amarela


Fonte: VIA QUATRO, 2023

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca pelo lucro fez com que o maior número possível de linhas fosse integrado, pois o concessionário receberia por cada passageiro transportado. Ao mesmo tempo, o Metrô reduziu o tamanho da Linha, para que os investimentos (públicos e privados) não fossem muito grandes. Traçados antes consolidados, que atenderiam inúmeras regiões da cidade, foram descartados. Por essa razão, fazemos coro às análises de David Harvey sobre o planejamento urbano capitalista: “a redistribuição de renda através desses mecanismos ocultos [de política urbana] tende, naturalmente, a beneficiar o rico e a enfraquecer o pobre” (1980, p. 61).

Concluímos que as decisões de traçados couberam ao Governo do Estado de São Paulo e ao Metrô, em associação com consultorias privadas, bancos, empreiteiras e outras empresas interessadas na parceria público-privada. A Linha não visou atender a interesses urbanos e de mobilidade urbana, mas criar um negócio viável e atrativo ao concessionário privado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTANZO, Daniela. Metrô de São Paulo: burocracia pública, decisões e financiamento. In: MARQUES, E. (org.). As políticas do urbano em São Paulo. São Paulo: Unesp, 2018. p. 283-311.

HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.

HMD – HOCHTIEF; MONTREAL; DE-CONSULT. Metrô. São Paulo: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1968. 2 v. Disponível em: https://transparencia.metrosp.com.br/dataset/relat%C3%B3rio-hmd-saiba-como-come%C3%A7ou-o-metr%C3%B4-sp. Acesso em: 01 abr. 2018

MARQUES, Eduardo (org.). As políticas do urbano em São Paulo. São Paulo: Unesp, 2018. p. 283-311.

METRÔ – COMPANHIA DO METROPOILITANO DE SÃO PAULO. Relatório da administração 1993. São Paulo: Metrô, 1994.

NOVASKI, Mariana. O discurso das parcerias público-privadas e a invenção do negócio para implantação e operação do sistema metroviário da Região Metropolitana de São Paulo. 2019. 189 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-14062017-090352/pt-br.php. Acesso em: 18 abr. 2021.

PARSONS BRINCKERHOFF. São Paulo Metro Line 4: Technical Assessment Report – November 1997. [S. l.: s. n.], 1997.

SCARCELLI, Oliver Cauã Cauê França. As classes sociais e o empresariamento na produção da Linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo (Brasil). Boletim Campineiro de Geografia, Campinas, v. 1, n. 7, p. 157-175, out. 2017. Disponível em: http://agbcampinas.com.br/bcg/index.php/boletim-campineiro/article/view/241. Acesso em: 8 out. 2020.

SCARCELLI, Oliver Cauã Cauê França. Liberdade interditada: o processo decisório do traçado da Linha 1 – Azul do Metrô de São Paulo. 2020. 131 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Planejamento e Gestão do Território, Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, 2020. Disponível em: https://oliver.caua.nom.br/liberdade-interditada. Acesso em: 27 nov. 2020.

VIA QUATRO. Mapa da Linha. São Paulo, 29 jan. 2023. Disponível em: https://www.viaquatro.com.br/linha-4-amarela/mapa-da-linha. Acesso: 29 jan. 2023.